segunda-feira, 30 de setembro de 2013

240 NOITES DE PLANTÃO


Na verdade com as extras e com os vários meses em que tivemos apenas 4 folgas, foram mais... Umas 260, pelo menos. Incluindo as festas de fim de ano. Disso sobraram umas 105 noites com os filhos, sendo que dessas 105, muitas delas eles estavam com o pai deles. A companhia dos nossos amores é impagável, mas como tudo é como deve ser, valeu à pena.
Sonho de profissão trabalhar num Pronto Socorro de Hospital Público. Já passei por praticamente todos os setores de um hospital, inclusive PS, mas este era um lugar em que eu tinha que ficar e aprender um pouco. Foi o que fiz. Ganhei quilos, cabelos e pêlos brancos, marcas de expressão na minha testa, parece que o cansaço me envelheceu. Chegava em casa morta, caía no sofá e só lembro que as crianças às vezes me davam beijos molhados enquanto eu cochilava até a hora de levá-los para a escola. Depois eu dormia mais um pouquinho para então estar no setor em que trabalho há 12 anos. Dormia 4 ou 5h a cada 24h. Uma jornada de trabalho de 60h/semana, fora os cuidados com a casa e os filhos. Muitas vezes, aliás, sempre, tive a impressão de estar morando no hospital, parecia que eu apenas cochilava e acordava nele. Sensação ruim com a qual acabei me acostumando e hoje até sinto uma ponta de saudade! Impressionante, mas isso é fazer o que gosta!
Pois é, dentre tantas escolhi enfermagem por idealismo puro. Achava lindo cuidar de pessoas doentes, meu sonho era trabalhar para pobres, em hospitais públicos e fiz da minha trajetória exatamente o que eu quis. Então não me arrependo, sou feliz, as coisas saíram quase da forma como planejei... exceto pelo salário baixíssimo, vergonhoso, por ser divorciada e ter 3 filhos que merecem tudo de melhor pra sustentar. Então não é perfeita a minha vida, mas não posso reclamar.
Cheguei no PS sem medos, sem inseguranças e fui muito bem recebida por todos, principalmente por auxiliares e técnicos. Aqui não preciso de demagogias, não preciso puxar saco, posso falar o que quiser e a verdade é que desde a minha vida acadêmica, aliás, antes disso, quando fui instrumentadora cirúrgica, auxiliares de enfermagem tiveram papel fundamental na minha formação. Nunca me negaram seu conhecimento, nunca deixaram de me ajudar, sempre tiveram paciência comigo. Foi assim na faculdade, foi assim depois que me formei. Não foi diferente no Pronto Socorro. Mesmo na correria, na pauleira, me ensinaram preparar sedações, mexer com bombas, respiradores e muitas outras coisas. As colegas enfermeiras me ensinaram as rotinas. Não tive problemas com colega nenhuma, nada que não fosse rapidamente contornado. Isso que uma das chefias disse que os enfermeiros desse plantão tinham grandes problemas de relacionamento, que era o pior plantão. Não achei. Sinceramente há algo de errado sim, principalmente com questão de horários de revezamento, com discordâncias com as rotinas, mas nada de excepcional, nada de diferente de outros plantões, outros setores. O grande problema é o ingerenciamento, algo geral, principalmente do PS, mas não só de lá. É o passar de pano pro vagabundo e a desvalorização dos que trabalham. Eu fui lá para trabalhar. Eu trabalhei e acho que não fiz feio, mas envelheci 10 anos com fofocas, maledicências, inveja, ameaças, coisas que vieram de cima, de chefias, de 'superiores'... Lamentável. Isso é Enfermagem! Isso é que desgasta quem gosta de trabalhar, quem gosta do que faz. Não há salário que pague esses aborrecimentos.
Nesse período fui chamada de incompetente por uma pessoa que sem dúvidas, ao prestar vestibular prestou USP, e não passou. Que não é concursada da prefeitura, mas sim, 'cargo de confiança', o que eu chamo de puxa saco. Podem me chamar de arrogante, mas eu prefiro me chamar de alguém que valoriza suas conquistas. Eu me formei na USP, passei em 32º lugar no concurso para a prefeitura de São Paulo, então, eu sei do mérito que eu tenho e ofensa de alguém pior que eu, não é ofensa afinal, é piada.
Lá a gente se vira sem jelcos, sem copos descartáveis, sem pilhas para marca passos, aliás, muitas saíram do meu bolso, sem macas, sem colchões de macas, sem funcionários, um hospital de porta aberta, que recebe a todos, que faz USG, Tomografias, Ressonâncias Magnéticas 24h/dia. Odeio que falem mal de lá. Eu posso falar, quem trabalha lá pode falar, os outros não. Eu não aceito. Porque é um lugar onde quem quer trabalhar faz muito com pouco. E eu sou uma dessas dentre tantos. E embora eu já tenha até sofrido ameaças, eu não fecho meus olhos e minha boca para o que eu vejo de errado, pq eu gosto daquele lugar, eu passo a maior parte da minha vida lá, eu trabalho e trabalho mesmo, e também sou usuária e pagadora de impostos, então os incomodados com a minha boca grande que vão pra puta que os pariu, pois eu tenho a amparo da constituição para expressar minhas opiniões.
Então venceu meu contrato não vale a pena financeiramente pra quem já tem um vínculo, com os impostos, o salário do contrato fica irrisório. Não dá pra trabalhar tanto por valor simbólico e ainda escutar desaforo de 'superior'. Não mudaria meu vínculo pro PS, são 12 anos na Cl. Médica, um setor tranquilo, que passa pelos mesmos problemas de poucos funcionários e recursos mas nem de longe é a loucura do PS. Onde a chefia pode até encher o saco as vezes, mas coisas que dá pra contornar, onde não se extrapola a falta de respeito. 
Bom, pra encerrar, no PS há mais de um chefe, nem todos são ruins, quero fazer agradecimentos:
Aos meus filhos, motivo de viver, de acordar, de respirar, de engolir sapos, de rir e chorar, de trabalhar, de tentar ser exemplo, enfim, de tudo.
Ao meu pai, pelos bons conselhos, pelo apoio moral e por resolver os problemas que eu não consigo.
Aos pacientes, razão do meu trabalho. 
A Deusa Mãe, que me escolheu para cuidar, que me põe nos caminhos mais suaves, que se encarrega de meus inimigos.
Aos enfermeiros, técnicos e auxiliares, que nunca me deixaram na mão.
Aos demais profissionais: médicos, radiologia, limpeza, seguranças, manutenção... todos são equipe, todos são necessários.
Ao hospital... bom ou ruim, é desse prato que eu como.


Queria citar nomes, de três enfermeiras, dois médicos, uns 4 ou 5 técnicos/auxiliares... colegas que me ajudaram mais, com quem ri mais, que me apoiaram mais... mas seria indelicado com os demais. Então guardo para mim...
Marquei extras lá pra não sentir nem deixar saudades, com a autorização de uma das chefias, mas fui boicotada por outra, então fico no aguardo, de vez em quando um supervisor me chama. Então sigo assim, pedindo a minha Deusa que abençoe os plantões do meu pessoal do PS, aos quais aprendi a amar.